sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Boa Viagem

Boa Viagem
(Isabella Benício)

Quem parte não imagina
Que a mala arrumada
Não leva apenas os pertences
Tão cuidadosamente escolhidos.
Leva as marcas das entranhas,
Belas, doídas, feridas, vividas,
Compreendidas ou estranhas.
Leva pilares da vida.
Leva pessoas, leva valores,
Leva dúvidas, certezas, delicadezas,
Medos, enredos, segredos,
Leva alegrias, poesias, dores,
Leva os pais, os avós, os amigos,
Os amores.
Leva o concreto e o etéreo,
A claridade e o breu,
Aquilo que lhe é caro e
O que não reconhece como seu.
Leva o que vai no ar, aquilo que não se vê,
Ocupando o ínfimo espaço entre livros,
Roupas, poemas, músicas e guardados,
Entre os objetos conscientemente separados.
Leva no ar quem há de lhe velar à distância,
Silenciosa e resignadamente,
Por cada passo, a cada beco, a cada copo,
A cada esquina em que houver uma garoa,
A cada fracasso ou conquista boa,
A cada gripe que quiser lhe pegar,
A cada insônia que não lhe deixar sonhar.
Quem parte não se dá conta que leva
O que distraidamente fingiu esquecer.
Leva algo de quem fica
Única coisa capaz de aquecer
Quando a solidão teimar em doer.
Por isso, se o choro chorar baixinho,
Ou quando a saudade for dor
Me tira do fundo da mala
E me faz teu cobertor.

Grande Mário Quintana!


"Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho."

Mário Quintana